segunda-feira, 23 de março de 2020

Um buraco no teto, por Ana Echevenguá


Meu pai era tão legal, tão sábio... como se vivesse à frente de seu tempo...

Na minha adolescência não havia web, telefone à disposição; cidades pequenas sem livrarias, sem shopping center... muitas vezes, sem sinal de televisão.

Nessa época, conversar com pai e mãe era chato, cafona, careta... Na verdade, eu era chata: ficava pelos cantos, sem falar, lendo livros, introspectiva, alienada, perdida no meu  mundinho; uma adolescente rebelde sem causa.

Lia muito... livros e revistas, jornais velhos, cadernos de escola...
Meu pai, embora incentivasse os estudos, as leituras, reclamava dos meus momentos de introspecção em excesso, porque gostava de ter a família reunida.

Um dia, choveu tanto que apareceram várias goteiras no telhado de nossa casa. Morávamos em Alegrete-RS. Anoiteceu e meu pai decidiu fazer um grande buraco no forro da sala pra que a água da chuva escoasse do teto somente por aquele lugar, amenizando o problema.

Claro que estávamos assustados: um dilúvio sobre nossa casa! Tudo alagado...

Daí, meu pai, brincando, pegou um guarda-chuva e nos colocou debaixo desse grande buraco onde chovia tanto quanto na rua... e disse: “Viram? Só assim, com essa chuvarada, pra ficarmos todos juntos, abraçaditos... na hora do ‘aperto’, é com a família que a gente pode contar”.

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