domingo, 1 de dezembro de 2019

Um prato de sopa - Ana Echevenguá






Numa noite escura, fria e chuvosa, Marianna estava triste. Era hora do jantar, sua filha pequena, com pouco mais de um ano de vida, tinha fome e não havia comida em casa. No refrigerador, 4 batatas e um pouco de leite. Alimento racionado para servir nos próximos dias...

Os pingos da chuva que batiam sem cessar na janela recrudesciam sua dor.

Tudo parecia tão triste; estava num  beco sem saída... O casamento desfeito trouxe, além das lágrimas de saudade, dificuldade financeira. O amado levou consigo  o sonho do ‘unidos para sempre’ e o saldo da conta bancária.


Escolhas erradas, colheita infeliz.

Folheando o Livro dos Espíritos, enquanto sua filha resmungava: “Mamãe, tô com fome” (palavras que povoaram seus pensamentos por anos a fio), deparou-se aleatoriamente com a questão 708.

Há situações em que os meios de subsistência independem da vontade do homem, sendo-lhe a privação do que necessita uma consequência da força das coisas?”

A resposta da Espiritualidade Superior àquela pergunta pareceu-lhe, naquele momento de crise, complexa e infundada:  

“É isso uma prova, muitas vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual sabia ele de antemão que viria a estar exposto. Seu mérito consiste em submeter-se à vontade de Deus, desde que a sua inteligência nenhum meio lhe faculta de sair da dificuldade...”

Analisando seu caso, estava diante de uma prova cruel. Óbvio! Mas, será que soubera de antemão que um dia vivenciaria isso? Estava – de verdade – sem condições de achar solução para o problema. Daí, a única saída que os Espíritos Superiores apresentaram, nos idos de 1860, foi a submissão à vontade de Deus? Absurdo! Que Deus é esse que fica inerte vendo uma criança chorar de  fome?

O lamento da filha, o frio do inverno e a chuva não a ajudavam a pensar de outra forma...

Alguém bateu na porta, com força. Diante do silêncio, insistiu:

- Marianna, abre, sou eu!

Reconheceu a voz. Era a vizinha. Dona Arlete. Esposa do motorista, mãe de duas crianças lindas.

Correu até a porta, imaginando que essa viera buscar ajuda, pedir remédio pra tosse ou dor de barriga... que outro motivo a tiraria de casa nesta noite chuvosa e fria?

Mas, dona Arlete trazia, nas mãos, um prato de sopa quente, que protegia, com cuidado, dos pingos da chuva.

- Fiz pros meninos e sobrou bastante. Então, lembrei de vocês. Meu marido não gosta de sopa!

A solidariedade de Arlete aqueceu aquela noite fria. E esta lembrança, até hoje, traz lágrimas comovidas aos olhos e coração de Marianna.

Solidariedade que gerou gratidão e fortalecimento da fé.

Sem saber, dona Arlete, naquele gesto comovente, estava conspirando com a vontade divina. Ofereceu à Marianna não somente o meio de saciar a própria fome e a de sua filha. Mas, também, a prova de que, diante das dificuldades que parecem momentaneamente insanáveis, a melhor saída é submeter-se à vontade de Deus...

Ana Echevenguá

Nenhum comentário:

Postar um comentário