Numa noite escura,
fria e chuvosa, Marianna estava triste. Era hora do jantar, sua filha pequena,
com pouco mais de um ano de vida, tinha fome e não havia comida em casa. No refrigerador,
4 batatas e um pouco de leite. Alimento racionado para servir nos próximos
dias...
Os pingos da chuva que
batiam sem cessar na janela recrudesciam sua dor.
Tudo parecia tão
triste; estava num beco sem saída... O casamento
desfeito trouxe, além das lágrimas de saudade, dificuldade financeira. O amado
levou consigo o sonho do ‘unidos para
sempre’ e o saldo da conta bancária.
Escolhas erradas,
colheita infeliz.
Folheando o Livro
dos Espíritos, enquanto sua filha resmungava: “Mamãe, tô com fome” (palavras que povoaram seus pensamentos por
anos a fio), deparou-se aleatoriamente com a questão 708.
“Há situações em que os meios de
subsistência independem da vontade do homem, sendo-lhe a privação do que necessita
uma consequência da força das coisas?”
A resposta da Espiritualidade Superior àquela
pergunta pareceu-lhe, naquele momento de crise, complexa e infundada:
“É
isso uma prova, muitas vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual sabia ele
de antemão que viria a estar exposto. Seu mérito consiste em submeter-se à
vontade de Deus, desde que a sua inteligência nenhum meio lhe faculta de sair
da dificuldade...”
Analisando seu caso, estava diante de uma prova
cruel. Óbvio! Mas, será que soubera de antemão que um dia vivenciaria isso? Estava
– de verdade – sem condições de achar solução para o problema. Daí, a única
saída que os Espíritos Superiores apresentaram, nos idos de 1860, foi a submissão
à vontade de Deus? Absurdo! Que Deus é esse que fica inerte vendo uma criança
chorar de fome?
O lamento da filha, o frio do inverno e a chuva não
a ajudavam a pensar de outra forma...
Alguém bateu na porta, com força. Diante do silêncio,
insistiu:
-
Marianna, abre, sou eu!
Reconheceu a voz. Era a vizinha. Dona Arlete. Esposa
do motorista, mãe de duas crianças lindas.
Correu até a porta, imaginando que essa viera
buscar ajuda, pedir remédio pra tosse ou dor de barriga... que outro motivo a
tiraria de casa nesta noite chuvosa e fria?
Mas, dona Arlete trazia, nas mãos, um prato de sopa
quente, que protegia, com cuidado, dos pingos da chuva.
- Fiz
pros meninos e sobrou bastante. Então, lembrei de vocês. Meu marido não gosta
de sopa!
A solidariedade de Arlete aqueceu aquela noite
fria. E esta lembrança, até hoje, traz lágrimas comovidas aos olhos e coração de
Marianna.
Solidariedade que gerou gratidão e fortalecimento
da fé.
Sem saber, dona Arlete, naquele gesto comovente,
estava conspirando com a vontade divina. Ofereceu à Marianna não somente o meio
de saciar a própria fome e a de sua filha. Mas, também, a prova de que, diante
das dificuldades que parecem momentaneamente insanáveis, a melhor saída é submeter-se
à vontade de Deus...
Ana Echevenguá
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