quarta-feira, 13 de março de 2019

Automutilação – um Grito de Alerta - por Ana Echevenguá


- Doutor, estou desesperada. Descobri que meu filho está se cortando. O que eu faço?

Inicialmente, calma! “Faça a mesma coisa que faria ao perceber que ele está chorando. Porque é uma demonstração de tristeza”, ensina-nos a psiquiatra Jackeline Giusti, do IPq HC - USP - Ambulatório da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.


Os pais – na maior parte das vezes – só descobrem este fato quando o filho possui mais de uma marca ou cicatriz em seu corpo.

A automutilação (ou cutting, do verbo cortar, em inglês) - manifestada em pequenos cortes pelo corpo e a tentativa de escondê-los dos pais - não é novidade. Trata-se de um fenômeno antigo que, nos dias de hoje, está cada vez mais presente na vida de nossos jovens.  Em 2013, foi reconhecida,  pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Saúde Mental da Associação Americana de Psiquiatria - DSM-V, como um transtorno mental.

 “Eu busquei a palavra mais certa
Vê se entende
O meu grito de alerta” Gonzaguinha

Ora, se é transtorno de saúde mental, a automutilação não é a ‘palavra mais certa’ para pedir socorro. Por isso, é preciso procurar ajuda de um profissional qualificado.

O CVV – Centro de Valorização da Vida – divulgou que o atendimento às vítimas da automutilação cresceu em larga escala. Especialmente, entre as meninas de 13 a 17 anos. Pesquisas feitas nos EUA demonstram que a prática aumentou tanto na última década que já se fala em epidemia.

Epidemia? Está na hora de falarmos a respeito. Nas escolas, na mídia e nos lares. Sem tabus. Da mesma forma que estamos aprendendo a falar sobre  suicídio.

Pesquisando a respeito, soube que a automutilação, às vezes, é tratada como um modismo: um amiguinho age assim e contagia os demais. Como a globalização facilita a divulgação., no mundo virtual, há grupos que incentivam esta prática, falando  sobre os métodos mais eficazes, comemorando aniversário das cicatrizes, competindo entre si, relatando suas experiências...

Segundo o jornalista e professor André Trigueiro, muitos casos de automutilação estão associados ou à necessidade de chamar a atenção dos pais para o sofrimento que vivencia ou à dificuldade de lidar com a dor, com as frustrações...

Ele está certo! Há um consenso de que a automutilação é uma forma de lidar com os problemas e as frustrações, desviando a atenção da dor emocional para a dor física. Oportuniza, assim, uma sensação de alívio imediato que pode ser seguido de culpa, de vergonha, de arrependimento... A dor emocional é tão grande que precisa ser esvaziada de alguma forma. E o corte seria como abrir a tampa de uma garrafa para o excesso de água escoar.

“Só sinto no ar o momento em que o copo está cheio
E que já não dá mais pra engolir” Gonzaguinha

Claro que as feridas sinalizam que algo não vai bem... Um grito evidente de socorro!

Há muita semelhança entre o comportamento do suicida e daquele que agride o próprio corpo. Para eles, a intenção é acabar com a dor emocional e não  de se machucar ou morrer, conforme nos ensina o psiquiatra Augusto Cury.

Então, é possível prevenir!

Conversei com uma amiga que, na adolescência, se cortava. Mostrou-me cicatrizes antigas nos braços: “Eu conseguia driblar todo mundo, escondia giletes, estiletes... e eu sabia que, se errasse um corte, poderia ser fatal... O motivo disso? Nem eu soube ao certo; às vezes, nem existe... É aquele vazio de ser Cristal nesse mundo tão denso... não conseguia entender... dava um vácuo e tudo perdia o sentido... eu tinha tudo, mas nada me preenchia...”

- Será que tem solução para este problema?, pergunta-nos André Trigueiro. E ele mesmo responde: - Claro que sim! Mas, é preciso parar, pensar e agir... 

Também é preciso entender que a pessoa que se automutila não consegue conviver com sua dor emocional, que é grande… assim, o autoflagelo pode aliviar o sofrimento que experimenta.

Para Gustavo Estanislau, especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência e integrante do grupo Cuca Legal, da Universidade Federal de São Paulo, o estímulo ao autoconhecimento e a criação de estratégias que facilitem o diálogo sobre as próprias emoções colaboram para a prevenção deste problema.

Ainda, para a manutenção do bem-estar psicológico dos nossos jovens, o diálogo é importante para que eles se sintam mais seguros, confiantes, amados e valorizados.  Os envolvidos devem demonstrar clara disposição para ouvir, real interesse pelo que o jovem pensa e sente. Demonstrar, essencialmente, muito amor!

“Veja bem, é o amor agitando meu coração
Há um lado carente dizendo que sim
E essa vida da gente gritando que não” Gonzaguinha

Desta forma, é possível que ele consiga expor a sua dor emocional sem a necessidade de utilizar o cutting  como um grito de socorro. 

Ana  Candida  Echevenguá, OAB/RS  30.723, OAB/SC 17.413-A, advogada e articulista, especializada em Direito Ambiental, em Direito do Consumidor e em Direito da Mulher. Coordenadora do Programa Eco&Ação, no qual desenvolve um trabalho diretamente ligado às questões socioambientais, difundindo e defendendo os direitos do cidadão à sadia qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. email: anaechevengua@gmail.com




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