“Uma
criança não ameaça ninguém. É só vida, inocência e ternura. Mais que ajudar a
outros, ela precisa ser ajudada e acolhida. (...) Cada vez que nasce uma
criança, é prova de que Deus ainda acredita na humanidade. Deus acreditou tanto
que quis nascer criança frágil, com os bracinhos enfaixados para não ameaçar
ninguém” - teólogo
Leonardo Boff, em seu artigo “Espírito de Natal”.
O artigo 227 da Constituição Federal assegura à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde,
entre tantos outros, e garante que o Estado, a sociedade e a família têm o
dever “... de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão...”.
Sempre que leio este artigo, lembro da Claudia, uma
colega de faculdade. Numa aula sobre o tema, ela disse ao professor: “agora,
não vamos mais ter crianças na rua. A gente vai ter argumentos pra acabar com
isso”. Na época, com a Constituição
saindo do forno, não entendi o silêncio do Dr. Vinícius. Hoje, com o descaso
generalizado às crianças e adolescentes, imagino que ele sabia que essa seria
mais uma regra “pra inglês ver”.
Já nos acostumamos com as notícias diárias sobre a
pena de morte que é imposta às nossas crianças e adolescentes. Geralmente, o
carrasco é a “bala perdida”. Sem devido processo legal, sem ampla defesa. Não é
livro de Kafka: é vida real. O Instituto Superior de Estudos da Religião,
juntamente com a ong Viva Rio, apurou que, de dezembro de 1987 a novembro
de 2001, morreram 3.937 menores, na cidade do Rio de Janeiro, vítimas da guerra
entre facções de drogas. Nesse mesmo período, na guerra entre israelenses e
palestinos, 467 menores foram mortos.
Quem sobrevive à guerra de ruas e favelas é
aproveitado, como mão-de-obra barata, pelo narcotráfico que alicia os menores
de 18 anos escudados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Enquanto
eles não recebem a pena de morte, engrossam as fileiras do EMI - Exército dos
Menores Infratores. E este é o único problema que os nossos governantes
enxergam e querem resolver.
A solução brasileira
para o problema
Engels defendia que o Estado nasceu da necessidade
de a classe economicamente mais forte controlar conflitos sociais entre os
diferentes interesses econômicos. Em nome da Lei e da Ordem, os Donos do Poder
condenam e/ou reprimem o povão.
No Brasil, para sanar um problema cria-se uma nova
lei.
Por isso, para resolver o problema do EMI há
projetos de lei para a legalização do aborto. Legalização da pena de morte; pra
acabar com esse mal pela raiz. Vejam só o argumento de um adepto da legalização
deste crime ao atacar o movimento antiaborto: “o problema é que os estúpidos
preferem que as crianças nasçam a qualquer custo, mesmo que a criança não
abortada de ontem seja o criminoso que dará um tiro na cabeça deles amanhã”.
A outra solução é redução da idade penal de 18 para
16 anos. Segundo a OAB - Ordem dos Advogados do Brasil - tramitam no Congresso
Nacional mais de 30 projetos de lei neste sentido. Alguns até sugerem a redução
dos 18 para 14 anos porque entendem que o Brasil possui leis brandas se
comparado com países desenvolvidos, onde se aplica aos menores o mesmo rigor
punitivo previsto aos adultos.
O que os autores dos estudos querem? Enjaular o
“monstro”, em depósitos de lixo humano, longe dos olhos da sociedade;
trancafiar o menor infrator, o quanto antes, porque reeducá-lo aqui fora é um
oneroso processo infrutífero já que, dificilmente, ele se readapta à vida
social.
A eles não importa que menores recuperáveis
misturem-se a menores criminosos irrecuperáveis, em instituições-escola do
crime. Parece que eles não sabem que o ingresso nas instituições
socioeducativas do SINASE recrudesce a criminalidade. Ou melhor: que o atual
sistema de internação para o menor infrator lapida os futuros ocupantes de
penitenciárias.
Também não importa, a esses “estudiosos”, que a
redução da idade penal traga mais ônus ao contribuinte. Este ônus será
compensado pelo prazer de não ver o EMI nas ruas.
É isso que queremos?
Claro que não. Isso não vai assegurar ao menor
infrator o direito à vida, à saúde, à educação... nem reduzir a criminalidade
infanto-juvenil. Vai combater o efeito e não a causa do problema. É uma solução
pífia pra tapar o sol com a peneira.
Felizmente, a OAB e várias entidades estão se
manifestando contra estes projetos de lei.
Sabem por que essas coisas acontecem? E por que
tratamos a morte das nossas crianças como algo corriqueiro e banal? Porque
somos omissos e aceitamos, numa boa, as ilegalidades praticadas pelo Estado.
*
Advogada, OAB/SC 17.413-A, coordenadora do programa Eco&Ação, e-mail: anaechevengua@gmail.com
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