Ana Echevenguá
Alguém já ouviu a recomendação: “cuidado pra não jogar fora a criança junto com a água do banho”? Há séculos, quando a higiene era relegada e a água escassa, os banhos da família eram semanais. Todos usavam a mesma bacia, a mesma água... o bebê era o último da fila. Aí, a água estava tão suja que ele corria o risco de sumir e ser jogado fora com a água suja.
Felizmente os tempos mudaram. Temos água corrente em nossas casas, os hábitos de higiene estão relacionados diretamente com a saúde... o pátrio poder (as obrigações de sustento, guarda e educação dos filhos) é exercido igualmente pelo pai e pela mãe. E foram criadas várias leis protetivas das crianças.
Mas algo está errado!
Coincidência ou não, após a morte da menina Isabella – que foi jogada do sexto andar de um edifício e os principais suspeitos são seu pai e a madrasta -, a mídia passou a mostrar vários casos de acidentes com nossas crianças: elas caem de veículos, de janelas; morrem afogadas em buracos com água; são esquecidas dentro dos veículos de seus pais, ...
Leram sobre o menino de 7 anos que invadiu um zoológico e, em 30 minutos, matou vários animais pra alimentar o crocodilo do local?
Perceberam que não estou falando de casos de abuso sexual, pedofilia, compra-e-venda de crianças, adoção à brasileira... falo dos acidentes domésticos que estão recheando a mídia.
Aparentemente, vejo negligência dos responsáveis por estas crianças! Mas tenho dificuldade em entender o que acontece:
- as crianças estão hiperativas, incontroláveis? Já ouvi pais falarem que seus filhos estão em aulas de ioga para ficarem mais calminhos...
- os pais estão “alienados”? Não sabem o que é certo ou errado quando o assunto é criança? Não conseguem impor limites e regras aos seus filhos?
O psiquiatra Montserrat Martins entende que a mídia está explorando mais o tema porque o assunto é vendável no momento. Afinal, “tragédias e crimes com as crianças sempre existiram”; e que, no Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre (aonde trabalha) se vê de tudo. Ele lembra de uma lei do jornalismo que diz que "não é notícia um cachorro morder uma pessoa: é notícia uma pessoa morder um cachorro". E, assim, talvez a mídia não considere boa notícia o fato de “ser bom pai ou boa mãe, já que é isso que esperamos das pessoas. A notícia é quando alguém contraria o que é esperado do ser humano: ter o instinto de proteção aos filhos”.
Sobre negligência, achei importante dividir com vocês o pensamento do Montserrat: “há coisas difíceis de entender; em termos humanos mesmo, como é que pode haver pais negligentes com os próprios filhos? Até a ciência tem dificuldade em encontrar respostas para isso, porque mesmo a paternidade e a maternidade são instintivas no sentido de proteção à prole. É um desafio compreendermos isso. Mas, talvez por ser tão natural o sentimento de proteção aos filhos, é que cause revolta ver quem não o pratica”.
Diante dessa cruel realidade, temos que achar uma solução. Não sei se adianta aplicar o rigorismo da lei aos pais negligentes que contribuem para a lesão ou morte de seus filhos. Talvez a dor de presenciarem estas desgraças represente a maior punição que poderiam experimentar.
Uma coisa é certa: com crianças, a prevenção é fundamental. Se:
- elas precisam de vigilância continuada,
- elas precisam de mais limites;
precisamos:
- aprender mais sobre elas
- e/ou acharmos espaço nas nossas agendas para estarmos ao lado delas, vamos colocar isso em prática.
Leonardo Boff fala, há tempos, sobre a urgência de promovermos uma revolução ética na humanidade, fundamentada, sobretudo, no cuidado com os seres, as pessoas e a vida.
Portanto, comece em casa a revolução ética proposta por Boff. Cuide bem do seu filho! Ele é uma riqueza humana insubstituível e o preço pago pela sua perda é alto demais.
Sempre que a mídia mostra tais acidentes com crianças, penso nos pais destas e lembro da poesia de Chico Buarque: “saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário